“Senhor, meu Deus, és tão grande! Revestiste-te de majestade e esplendor!”(Salmo 104,1)

Mas esse mesmo Deus grandioso também quis nascer em uma manjedoura simples. Aqui já está o mistério que nos revela tudo: o Deus imenso se faz pequeno para nos alcançar.

O Deus das grandes e pequenas coisas

Na correria da vida, muitas vezes buscamos Deus apenas nos momentos extraordinários: uma cura, um milagre, uma resposta surpreendente. E de fato, Ele é Deus também dos milagres! Mas quantas vezes esquecemos que Ele também se revela no cotidiano? No silêncio de uma manhã, num olhar de ternura, no pão partilhado em família, numa palavra que consola.

A Tradição Apostólica nos ensina que Deus está sempre presente, pois “Nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17,28). A Igreja nos convida a enxergar o sagrado até mesmo nos gestos mais simples da vida.
“Não vás para fora, entra em ti mesmo: no homem interior habita a verdade.”
(De vera religione, 39,72) Santo Agostinho dizia:

Ou seja, Deus pode ser encontrado no mais íntimo do nosso coração, naquele lugar onde até nós temos medo de olhar. Ele se revela nas grandes obras da criação, mas também no mais oculto suspiro da alma.

Santo Agostinho, ao comentar a vida cotidiana, alertava que os homens se maravilham com as grandes obras de Deus – como o mar, o céu e as estrelas – mas não se espantam com o maior de todos os milagres: a própria vida.

“Os homens saem em viagens para admirar as alturas das montanhas, as ondas do mar, os amplos cursos dos rios, a imensidão do oceano, o movimento dos astros – e passam por si mesmos sem se admirar.”
(Confissões, X, 8, 15)

Essa reflexão nos convida a desenvolver um olhar contemplativo.

Não espere apenas os “grandes momentos” para sentir Deus. Perceba-o quando o sol toca sua pele pela manhã, no abraço de um amigo, na coragem de recomeçar, na paciência com os filhos, na lágrima e também no sorriso.

Se Deus se fez pequeno na manjedoura, é porque quer ser encontrado também nas pequenas coisas.

“Senhor, abre meus olhos para ver-Te nas simplicidades da vida. Que eu não me perca na busca do extraordinário e esqueça que Tu habitas também no silêncio, na simplicidade, no escondido. Dá-me um coração sensível à Tua presença, onde quer que eu esteja.
Amém.”

Em Deus somos livres e seguros “Nele vivemos, nos movemos e existimos.” (Atos 17,28)

Estar em Deus não é como estar preso ou contido em limites. Pelo contrário: é estar acolhido num espaço que, ao mesmo tempo, oferece proteção e liberdade. É como o seio de uma mãe — lugar de abrigo e crescimento — mas que não impede o filho de desabrochar e ir além. Deus não nos aprisiona, Ele nos envolve.

“Estavas dentro de mim, mais interior do que o mais íntimo meu, e superior ao que há de mais alto em mim.” Santo Agostinho (Confissões, III, 6, 11)

Quando estamos em Deus, estamos no lugar mais seguro que existe — e, ao mesmo tempo, no espaço mais amplo e aberto para crescer. Nele, somos livres porque não somos definidos por medos, pressões, vaidades ou expectativas alheias. E somos seguros porque estamos firmados naquele que não muda, não falha e não nos abandona.

“A liberdade verdadeira está em viver como filhos de Deus” (CIC 1742).

A Tradição da Igreja sempre ensinou que Deus é um refúgio e também uma fonte de vida plena. O Catecismo nos lembra:

Toda ação de Deus é um resgate

O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” (Marcos 10,45)

O que significa “resgate”?

Na raiz da palavra “resgatar” (do latim rescaptare), está a ideia de reaver o que se perdeu, libertar alguém do cativeiro, salvar do perigo, pagando um preço ou utilizando uma estratégia. Um resgate envolve três elementos:

  1. A pessoa ou bem que está em perigo ou cativeiro
  2. O agente do resgate, que toma a iniciativa
  3. Um preço, uma ação concreta que liberta

O Catecismo da Igreja Católica diz que:

“Jesus ofereceu livremente sua vida como sacrifício expiatório por nossos pecados. Ele é o nosso Redentor, ou seja, Aquele que ‘resgata’ o homem do pecado e da morte eterna.”
(CIC 616)

Como acontece um resgate? Tem começo, meio e fim?

Sim. O resgate tem início quando o perigo ou a prisão é percebida. O meio é a ação ousada e determinada do resgatador. E o fim é o retorno seguro daquele que foi resgatado.

Na vida espiritual é o mesmo:

  • Começo: quando Deus percebe nossa queda, nosso afastamento, nossas correntes — mesmo quando ainda nem percebemos.
  • Meio: Deus se move, entra na história, envia profetas, sinais, e por fim o próprio Filho.
  • Fim: quando somos devolvidos à comunhão, à liberdade e à paz interior, que é estar novamente em Deus.

As estratégias do resgate de Deus

  1. A Encarnação: Deus se fez um de nós. Santo Agostinho diz que:
    “O médico desceu até o doente; Ele se fez homem para que o homem pudesse ser curado.” (Sermão 175, 5)
  2. O amor incondicional: Deus não espera que estejamos prontos. Ele nos ama no meio da nossa miséria:
  1. A cruz: A maior “tática” de Deus foi a mais improvável aos olhos humanos: morrer por amor. Essa foi a moeda do resgate.
  2. A liberdade respeitada: Ele nos resgata, mas não nos obriga.
    “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti.” (Sermão 169,13)

Mas Deus prova o seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós, quando ainda éramos pecadores.” (Rm 5,8)

Cada dia, Deus está em ação para nos resgatar: do desânimo, da culpa, da solidão, das falsas seguranças, da falta de sentido

Ele te resgata por meio da Palavra, da Eucaristia, da oração, do perdão, da presença de alguém, até de uma lágrima.

Senhor, tantas vezes me perdi, me afastei, me escondi,
e mesmo assim Tu sempre vieste ao meu encontro.
Obrigado porque nunca desististe de mim.
Me resgata de novo hoje, das prisões do medo, do pecado, da solidão.
Eu confio no Teu amor. Eu me entrego ao Teu resgate.
Amém.”

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